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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Desencontro - Fernado Pessoa.


1935, 30 de Novembro. Inquieto, a remexer-se na cama, Pessoa arde em febre.


"Não sou nada

Nunca serei nada

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Estou hoje vencido, como soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer."(7)


O capelão tenta acalmá-lo. Ele insiste em chamar Caeiro, Reis, Campos e Soares. Como que ouvindo o chamamento do seu criador, os poetas seguem para o hospital. Pessoa em agonia. Repuxa o lençol, contrai-se. Dá-me os óculos, os meus óculos, pede. Prepara-se para o último olhar sobre a sua criação. E eles que não chegam. Mas pressente, eles vêm, Ah se vêm.
Caeiro, Reis, Campos e Soares entram de rompante. Porém tarde, já morto o poeta. Sobram uns rabiscos num papel:

"Fiz de mim o que não soube,

E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara,

Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho,

Já tinha envelhecido,

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário

Como um cão tolerado pela gerência

Por ser inofensivo.

E vou escrever esta história para provar que sou sublime."(7)

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