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domingo, 21 de novembro de 2010

Luto invisível.


De acordo com a nossa sociedade, existem regras de comportamento e até de sentimentos. Uma mãe que não expresse o seu sofrimento de uma forma clara, pode tornar-se vítima de comentários e assusta a sociedade com sua aparente “frieza”, e o mesmo, estranhamente, acontece quando um pai expressa toda sua emoção publicamente. Os tipos de perdas e relacionamento também influenciam a aceitação social da perda. Por exemplo, a relação entre um pai e um filho abortado não é tão reconhecida como a de um pai com um filho maior, portanto, esse tipo de luto não é validado. Na comunicação social, quando somos notificados da morte de algum jovem ou criança, quem aparece a fazer declarações e a resolver as situações burocráticas na maioria dos casos é o homem (pai). O que me parece que é desconhecido é que muitas vezes estes pais têm de conter o seu sofrimento com a intenção de poupar a mulher, o que muitas vezes é visto como uma postura de frieza em relação à perda. O que não é verdade. É que no meio de tantas obrigações e expectativas sociais, fica difícil para os homens demonstrarem o seu sofrimento pela sua perda. Lamento que o luto de um homem que perdeu o seu filho, não tenha direito a algum tipo de tratamento e acompanhamento psicológico. Muito se estuda sobre a dor das mulheres e mães que perderam filhos, mas pouco se encontra nas prateleiras de livros e teses sobre luto, questões referentes ao luto paterno e ao luto masculino. O Luto masculino acaba por ser marginalizado e pouco estudado, devido a regras sociais que impõe que os homens não devem demonstrar com lágrimas e emoções o seu pesar. Mas nem por isso os homens deixam de expressar de outras formas suas as emoções, e por isso, o luto masculino, deveria merecer mais atenção. Após a perda, e num primeiro momento, entramos em choque, não conseguimos acreditar na morte (perda) do filho, tomando uma postura de negação em relação ao ocorrido. Há uma tentativa de continuar a viver como se nada tivesse acontecido. É uma reacção de defesa contra o impacto da perda. Depois, vem uma fase de raiva, muita raiva. É uma fase de bastante inquietação, onde acontecem os sonhos diários com o filho perdido. Segue-se o desespero: fase bastante difícil, na qual, damos conta que, de facto, a perda é irrecuperável. É a fase de apatia e depressão. Posteriormente, a depressão mistura-se com sentimentos bons, vamo-nos adaptando às mudanças ocorridas na nossa vida, consegue-se reinvestir a energia noutras coisas e a nossa relação com a perda é estabelecida de uma forma diferente e mais pacífica.

Na minha opinião, a grande dificuldade que os homens têm para superar o luto, é o facto desse luto não ser reconhecido. Isto ocorre sobretudo quando a perda sofrida pela pessoa não é considerada significativa pela sociedade em que se vive. O grande exemplo é a perda de um filho abortado. O luto paterno, não é, de facto reconhecido. A sociedade espera que um homem seja forte e não demonstre publicamente seu sofrimento, assim, quando um homem sofre uma perda, muitas vezes, a sociedade e o grupo à sua volta reage como se o homem não sofresse, e passa a dedicar seu apoio à mulher, enquanto o homem se dedica a resolver aspectos burocráticos e concretos relativos à perda. De facto, o sofrimento masculino, raramente é reconhecido. E o problema é que um luto quando não reconhecido, pode tornar-se num luto complicado na medida em que o “enlutado” não pode ou não consegue expressar a sua perda como gostaria e/ou deveria. Acredito que o impacto da perda de um filho em qualquer idade ou circunstância pode permanecer por anos, e essa é certamente uma das perdas mais devastadoras que um ser humano pode sofrer. O luto de um pai, por aborto de um filho, dado não ser tão reconhecido, tem o problema de “adiar” o processo de luto. E porquê? Porque como ninguém oferece “ajuda”, o pai tem dificuldade de demonstrar as suas fraquezas publicamente e até, de pedir ajuda, pois isso (eventualmente) seria um sinal de fraqueza face às expectativas colocadas sobre ele. Ele passa a acreditar então, que as suas perdas não devem incomodar os outros, pois dizem respeito única e exclusivamente a si. Já as mulheres expressam facilmente os seus sentimentos, sendo-lhes disponibilizadas ajudas, quer pelo núcleo familiar e amigo, quer de acompanhamento psicológico, previsto na lei. Essa repressão dos sentimentos provoca nos homens diversas reacções fisiológicas, como insónia, mal-estar, stress, que acaba em fadiga. Após esta explanação, gostaria de deixar aqui algumas questões para reflexão. - Caso o luto de um pai fosse reconhecido pela sociedade, e o homem também fosse submetido a um acompanhamento psicológico a par com a sua esposa, alguns meses depois da perda de um filho, a dor seria ultrapassada mais rapidamente?


- Ou, pelo menos, o casal compreenderia melhor a forma de sofrimento um do outro? - Se um pai enlutado tivesse tido a oportunidade de expressar seu pesar, no momento certo, sofreria menos? Por fim, gostaria de alertar, para a importância da educação para a morte na nossa sociedade, para que as pessoas compreendam mais e aceitem todos os tipos de perdas e expressões de morte, evitando por vezes, que pessoas enfrentem lutos complicados e ainda mais dolorosos.


(Colectânea de textos originais de minha autoria)

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